Cão com hipotireoidismo

Hipotireoidismo em cães: o que todo veterinário deveria saber

A medicina veterinária é uma ciência de poucas unanimidades. Se fôssemos citar uma delas, porém, a máxima “hipotireoidismo em cães tem um diagnóstico complicado” provavelmente seria um acerto.

Apesar de ser uma anormalidade endócrina comum em cães e gatos, sua evolução lenta, sinais clínicos que se confundem com os de outras doenças e um elevado número de falso-positivos dificultam seu diagnóstico adequado. Por esta razão, convidamos a Dra. Melissa Bossardi, médica veterinária por trás do Mellislab (primeiro laboratório veterinário da Serra Gaúcha com exames hormonais especificamente veterinários) para conversar sobre o hipotireoidismo em cães. O resultado é o que você confere a seguir:

Conhecendo o hipotireoidismo em cães

De antemão, é importante sabermos que o hipotireoidismo, basicamente, se trata de uma diminuição na quantidade de hormônios produzidos pela tireoide. O resultado disso pode acarretar disfunções em todo o organismo do animal (isto, aliás, sendo um dos dificultadores do diagnóstico).

Em se tratando da percepção do hipotireoidismo pela comunidade veterinária, antigamente se observava um número alto de diagnósticos para a doença em função de exames complementares que resultavam em falso-positivos. Nos dias de hoje, contudo, com novos testes, exames específicos e orientações mais apropriadas, a doença já tem sido diagnosticada com mais acerto.

O hipotireoidismo pode ocorrer em qualquer cão. Porém é importante destacar que cães de raças puras tendem a sofrer mais com a disfunção, em especial os da raça Dobermann, Poodle, Golden Retriever, Boxer, Schnauzer, Cocker Spaniel, Setter e Terrier. Ainda falando de sua ocorrência, é mais comum em cães de meia idade (por volta dos sete anos), sendo que gênero e condição reprodutiva são fatores indiferentes.

Normalmente a doença ocorre espontaneamente, muitas vezes em razão da perda irreversível do tecido da tireoide (hipotireoidismo primário). Essa perda pode acontecer como consequência de tireoide linfocítica ou também pela atrofia idiopática da tireoide. Há chances de outros casos ocorrerem por conta da anormalidade da glândula pituitária ou do hipotálamo, sendo estes bem menos frequentes.

Sinais clínicos do hipotireoidismo em cachorros

A doença pode ser considerada multissistêmica. Como discorremos anteriormente, os hormônios da tireoide influenciam todo o metabolismo do animal, o que faz com que os sinais clínicos sejam variados e inespecíficos.

Por recorrência há alguns mais clássicos associados à doença, como: letargia, ganho de peso desassociado ao aumento de ingestão alimentar, sensibilidade ao frio, intolerância a exercícios, irregularidades dermatológicas (como rarefação pilosa, ressecamento dos pelos, alopecia de cauda, etc.), complicações neurológicas (como doença vestibular central e neuropatias), bem como sinais cardiovasculares, dentre outros.

Da mesma forma, esses sinais clínicos, por mais clássicos que sejam, não possibilitam o diagnóstico imediato do hipertireoidismo, de forma que não há nenhum achado patognomônico para identificação da disfunção. Isto porque outras doenças, especialmente as endócrinas, podem causar grupos muito similares de sinais clínicos e, logo, mimetizar o hipotireoidismo.

Diagnosticando a doença

Ao analisar os sinais clínicos ocorrendo, deve-se desconfiar do hipotireoidismo e partir para os exames de triagem. Neste caso, eles consistem em: hormonais (T4 e TSH), bioquímicos (colesterol total, triglicerídeos totais, fosfatase alcalina, glicose) e hemograma. Estes, todos obrigatórios.

Há também os exames complementares, como função hepática, renal, dosagem de proteínas e frações e eletrólitos. Também destacam-se os exames de imagem, como ultrassonografia da região cervical ventral, a fim de verificar a morfologia e o tamanho da glândula tireoide.

É possível também encontrar alterações em outros exames laboratoriais que não sejam relacionados a dosagens hormonais. Elas estão relativas aos distúrbios secundários do hipotireoidismo, como a dislipidemia, anemia de doença crônica e fosfatase alcalina elevada, sendo estes os achados mais comuns.

Do ponto de vista clínico, o hipotireoidismo canino tem ainda uma grande dificuldade quando se trata de diferenciá-lo de um quadro de hiporadrenocorticismo. Neste este último caso, também conhecido como síndrome de Cushing, temos um aumento no cortisol, hormônio que ajuda o organismo a controlar o estresse.

Logo, encontraremos um paciente agitado, irritadiço, com muito apetite (apresentando comportamentos clássicos como revirar o lixo para roubar comida ou lamber migalhas do chão), pele delgada e oleosa e abaulamento do abdômen (frouxidão da musculatura e ligamentos). Estes sinais já nos devem fazer considerar primeiro a síndrome de Cushing, antes de diagnosticar o hipotireoidismo.

 T3, T4, TSH… Um mergulho nos exames hormonais

O exame de dosagem de T3 não é recomendado para este diagnóstico. A razão para isto está nos índices de acurácia e confiabilidade diagnóstica do T3 total, que são bem menores que os de T4 total, o que não propicia uma vantagem real.

Já o T4 total é bastante sensível para hipotireoidismo, de baixo custo e de fácil acesso. Ainda assim, porém, um resultado com dosagem baixa (com resultado abaixo do intervalo de referência) não confirma a presença de hipotireoidismo. Isto porque os glicocorticoides e as citocinas circulantes (inclusive interleucinas) e o fator necrose tumoral (ambos presentes em quadros inflamatórios) tendem a causar uma diminuição da concentração de T4 total. Como consequência, qualquer doença multissistêmica (diabetes mellitus ou hiperadrenocorticismo), crônica, (insuficiência renal, doença hepática, piodermite e doenças infecciosas), ou neoplásica, além de medicamentos, pode mimetizar um hipotireoidismo.

A essa ocorrência damos o nome de DNT (Doença Não Tireóidea) ou Síndrome do Eutireoideo Doente. Desta forma, precisamos descartar qualquer condição clínica subjacente ou, pelo menos, considerar a existência destas, quando forem solicitados os testes para função de tireoide.

T4 livre

Ele é a porção metabolicamente ativa de T4 e representa a fração de hormônio disponível para a absorção tecidual. Em teoria, tem como vantagem uma menor influência por doença não tireoidiana e por terapia medicamentosa em comparação com o teste de T4 total.

TSH

Ele é sintetizado e secretado na glândula pituitária e é inibido pelo efeito do feedback negativo do T4 livre circulante. De forma que, em teoria, uma doença como o hipotireoidismo, o TSH encontra-se elevado. Contudo, não deve ser considerado isoladamente, já que sua sensibilidade diagnóstica gira em torno de 75%.

Para o diagnóstico total de um hipotireoidismo primário, deve-se levar em consideração: idade, raça, doenças concomitantes no momento da interpretação dos resultados de T4 total e TSH (que, juntos, têm uma especificidade de >90%). Nos casos em que se suspeite de doenças concomitantes, a fim de se descartar um eutireoideo doente, devemos interpretar ambos (T4 total e TSH) juntamente com T4 livre ou T4 livre pós-diálise.

Ainda no tocante a exames, existem inúmeros fatores que interferem nos ensaios hormonais, como: estado fisiológico (ciclo estral, gestação), doenças (ciclo do eutireoideo doente), medicações, raça e idade.

Há também alguns fatores pré-analíticos (lipemia, hemólise e icterícia) que interferem diretamente nos métodos baseados em leitura por luz. Temperatura de envio de amostra também pode causar alterações nos resultados, além de variações no pico de liberação do hormônio para circulação ao longo do dia.

Hipotireoidismo em cães e em humanos: a diferença

Nos exames

Devemos frisar que não somente há diferenças, mas que são significativas. Em especial no que tange às dosagens hormonais, já que os kits comerciais para detecção dos níveis de hormônios tireoidianos são imunoensaios baseados em anticorpos humanos.

No tratamento

O tratamento consiste na reposição vitalícia do hormônio deficiente. Muitas vezes se associa uma dieta que propicie o acréscimo do hormônio a um medicamento – que, nesses casos, também são de uso humano.

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