Baner Eletrólitos

Eletrólitos na Veterinária: Conceitos Essenciais I

A dosagem de eletrólitos na veterinária é uma prática importantíssima para o diagnóstico, prognóstico e definição de condutas clínicas. Porém, ao analisarmos números absolutos, sua frequência de dosagem, ainda fica muito aquém do que seria ideal para um diagnóstico veterinário de excelência.

Existem dois principais motivos para isto: as tecnologias antigas para este tipo de análise (com seus altos custos de teste e manutenção e obrigatoriedade de uso de eletrodos) e a pouca familiaridade com termos, importância e demais aspectos que envolvem os eletrólitos na veterinária.

E foi pensando nesses gargalos que decidimos oferecer ao diagnóstico nacional duas ferramentas super importantes: tecnologia e conhecimento. No campo de tecnologia, trouxemos ao nosso porftólio o EC 90, que se utiliza dos recursos de um biosensor para trazer testes com um ótimo custo, realizados de forma absolutamente prática e com zero manutenção de eletrodos.

Já na área do conhecimento, estamos produzindo uma sequência de blogposts e conteúdos especiais para nos aproximarmos ainda mais do potencial completo dos eletrólitos. Desta forma, estaremos aptos a realmente compreendê-los, conseguiremos profissionalizar ainda mais nosso diagnóstico, além de elevar consideravelmente a qualidade dos nossos serviços médicos veterinários!

Neste artigo, que é o primeiro de uma série de conteúdos ricos e diversos, começaremos pelas terminologias básicas que se relacionam aos eletrólitos no campo da fisiologia – até entendemos que pode ser meio enfadonho, mas, como o título do blogpost diz, elas são essenciais!

Em seguida, entraremos na prática pesada, ou seja: o que pedir, a que exames associar, dicas de interpretação e muito mais! Preparados para o primeiro passo neste fascinante mundo? Vamos lá!

Em primeiro lugar: água!

Não tem como falar de eletrólitos sem relembrar a importância fisiológica da água. Não é por acaso que ela é a substância mais abundante nos seres vivos: simplesmente todas as reações químicas celulares são feitas em meio aquoso.

Em animais domésticos como cães e gatos, por exemplo, 60% do corpo é formado por água. Esta altíssima participação na composição corporal é comum em quase todos os animais mamíferos.

A água costuma se dividir no organismo da seguinte forma: 2/3 (40%) se encontram dentro das células e 1/3 fora das células (plasma e líquido intersticial).

O volume de líquidos e as concentrações de eletrólitos são normalmente mantidos pelo próprio corpo dentro dos limites, mesmo com as variações de ingestão de água, alimentos, atividade metabólica e alterações ambientais.

A homeostase (condição de relativa estabilidade da qual o organismo necessita para realizar suas funções adequadamente para o equilíbrio do corpo) dos líquidos e eletrólitos é feita primariamente pelos rins.

Já a eliminação de água ocorre, além de pelo sistema urinário, também pelos pulmões, intestino e pele. Em condições normais do organismo, mesmo com variações do consumo e perda de água, as concentrações intra e extracelular são mantidas de forma relativamente constante.

Esta constância é justamente feita pelo minucioso ajuste dos eletrólitos, água e alguns hormônios. A excreção de água pelos rins é regulada primariamente pela vasopressina (hormônio antidiurético – ADH).

Sobre a vasopressina, é importante falar que ela é liberada pela hipófise e leva a reabsorção da água nas porções distais dos néfrons. A hipófise é estimulada com o aumento da osmolaridade plasmática, redução do volume sanguíneo e da pressão arterial e em condições de estresse. A ingestão de água diminui a osmolaridade plasmática que inibe a secreção de vasopressina (falaremos logo a seguir) e, consequentemente, excreção da água pelos rins.

Os eletrólitos em si

De forma breve, pois vamos nos estender posteriormente em cada um deles, os eletrólitos são minerais que possuem carga elétrica quando estão dissolvidos em um líquido. O sódio, potássio, cálcio e cloro são os minerais mais importantes na manutenção do equilíbrio osmótico e do equilíbrio ácido-base de um organismo.

Osmolaridade

A osmolaridade é a medida de concentração dos solutos em diversas soluções. Ela é definida com o número de osmoses de soluto por litro de solução.

Este é um dos motivos que torna imprescindível a mensuração dos eletrólitos: a determinação da osmolaridade de um líquido (plasma, urina, líquidos cavitários)

Entender como está a osmolaridade plasmática de um paciente, por exemplo, pode ser crucial para auxiliar no diagnóstico, tratamento e acompanhamento de diversas doenças. Em especial em fluidoterapias, em que utilizamos com frequência a seguinte fórmula:

(mOsm/kg) = 2 x Na (mmol/L) + glicose (mmol/L) + ureia (mmol/L)

A título de exemplo, cães e gatos encontram-se com a osmolaridade plasmática normal entre 280 a 310 mOsm/kg.

Através da osmose o organismo consegue equilibrar a quantidade de líquidos nos espaços intra e extracelulares. Para fazer esse equilíbrio, o organismo move ativamente os eletrólitos para dentro ou para fora das células.

Um dos órgãos mais importantes para a manutenção do equilíbrio eletrolítico é o rim. Através da filtragem o rim devolve ou excreta qualquer excesso de eletrólitos e água para a urina (em condições normais).

Eixo renina-angiotensina-aldosterona e os fatores natriuréticos

Nós sabemos: o nome é complexo e este assunto pode até nos levar de volta aos primeiros períodos da veterinária, mas temos que revisitá-lo. Isto porque o eixo renina-angiotensina-aldosterona é o principal mecanismo que regula a excreção renal do sódio e atua em todos os eletrólitos do organismo!

Quando o volume de sangue ou a concentração de sódio estão baixos os rins liberam a renina. A renina cliva o angiotensinogênio (oriundo do fígado) para formar a angiotensina I. A enzima conversora de angiotensina (ECA) cliva a angiotensina I em angiotensina II. A angiotensina II aumenta a retenção de sódio no túbulo proximal renal, aumenta a pressão arterial, a sede e estimula o córtex suprarrenal a secretar aldosterona.

A aldosterona também aumenta a reabsorção do sódio nos rins e a excreção do potássio. A angiotensina I também pode ser transformada em angiotensina III que estimula a liberação de aldosterona tanto quanto a angiotensina II. A angiotensina III tem menor atividade pressórica que a angiotensina II. A liberação de aldosterona também é estimulada pela hiperpotassemia.

A excreção renal do sódio requer sua chegada ao rim. Desta maneira sua excreção vai depender de outros fatores como o fluxo sanguíneo renal e a taxa de filtração glomerular. A excreção inadequada do sódio pode estar atrelada a diminuição do fluxo sanguíneo nos casos de doença renal crônica e insuficiência cardíaca, por exemplo.

Os fatores natriuréticos são excretados em resposta ao aumento do líquido extracelular e consequente aumento da pressão arterial e geram importantes ações cardiovasculares, renais, endócrinas e parácrinas.

Em condições fisiológicas os peptídeos natriuréticos protegem diversas musculaturas (principalmente a cardíaca e musculatura lisa dos endotélios) conciliando efeitos anti-inflamatórios, antiproliferativos e antifibróticos aos efeitos de vasodilatação.  Os dois mais importantes são o peptídeo natriurético atrial – ANP (secretado pelo tecido atrial cardíaco) e o peptídeo natriurético tipo B – BNP (secretado pelos átrios e ventrículo esquerdo).

Em casos de insuficiência cardíaca, doenças renais, hepatopatias e ascites encontramos os peptídeos natriuréticos em grandes concentrações. A elevação exacerbada do peptídeo natriurético atrial aumenta o ritmo de filtração glomerular, a excreção renal de sódio e água (através da inibição da bomba de sódio e potássio) e a supressão da secreção de renina e aldosterona.

Além dos efeitos diretos descritos anteriormente o ANP e o BNP produzem efeitos indiretos como a vasodilatação sistêmica e renal e o aumento da permeabilidade vascular (através da inibição dos principais vasoconstritores: angiotensina II, catecolaminas e endotelina).

Os receptores de ANP e BNP estão presentes na vasculatura do coração, rins, glândulas adrenais, cérebro e pulmões.

A diminuição dos peptídeos natriuréticos ocorre quando temos perda de líquido extracelular.

Vasopressina: hormônio antidiurético

A vasopressina é um mediador neuro-hormonal produzido no hipotálamo e armazenado na neuro hipófise que regula a constrição de vasos e a excreção de água pelos rins. Em situações fisiológicas ele é secretado quando a osmolaridade plasmática está aumentada com o objetivo de reter água no organismo. Ele também pode ser secretado em resposta a diminuição do volume intravascular efetivo e da pressão arterial.

Já a redução da osmolaridade efetiva do plasma e o aumento do volume intravascular efetivo ou aumento da pressão arterial inibem a secreção da vasopressina.

Outros estímulos não osmóticos podem aumentar a produção e secreção da vasopressina como o aumento da pressão intracardíaca e a dor.

A vasopressina exerce efeito de feedback positivo no eixo renina-angiotensina-aldosterona. Ela estimula a secreção de renina e a formação de angiotensina o que pode contribuir para a progressão de doenças cardiovasculares e renais.

Os receptores da vasopressina estão amplamente distribuídos no organismo e seus efeitos podem alterar diversos órgãos. Dentre eles podemos citar: aumento da contratilidade do miocárdio, aumento da síntese de prostaglandina nos rins (com consequente redução do fluxo sanguíneo na medula renal), aumento da secreção de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e liberação de insulina, aumento do fator VII da cascata de coagulação, hiponatremia.

Eletrólitos: presentes em tudo!

Recuperados do pequeno mergulho na fisiologia? Realmente não é possível falar sobre algo tão significativo na manutenção da vida de um organismo, como os eletrólitos, sem relembrar dos aspectos fisiológicos que o envolvem.

Mas, como adiantamos, este é apenas o primeiro passo de um caminho que nos levará à sua clínica veterinária e à sua rotina de exames! Desvendaremos eletrólito por eletrólito, conheceremos os impactos do seu desbalanceamento e compreenderemos ainda mais a importância de sua dosagem. Fique em dia com o Blog Foco Vet, compartilhe conhecimento com seus colegas veterinários e não perca nenhum conteúdo!

Até a próxima!

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